Guerra civil brasileira e os avestruzes

O Brasil é um país doente. Muito doente.

Fazemos de conta, pelas belezas e delícias que o país nos proporciona, que nada de errado está acontecendo.

Nosso chopinho de final de semana, a praia, cachoeiras e acarajé compensam tudo. É mesmo?

A razão do título está aqui nessa notícia.

Nos últimos dias cedi a ler algumas manchetes sobre violência. Vi uma moça de 18 anos assassinada em plena via, depois de sair do carro blindado (inocente...) para ver quem tinha lhe batido na traseira. Vi um pai de família passeando em sua moto num domingo baleado no peito pois não aceitou o roubo ameaçado por 2 bandidos sentados em uma outra moto, assim se espatifando na amurada, com a sobrinha na garupa... e assim vai, e tentarei não ler... fazer como o brasileiro comum... apenas esquecer os gritos de desespero à minha volta...

A doença que infectou o Brasil, além da violência, é a letargia.

O brasileiro em geral não pensa sobre o porquê do seu país ser tão violento.

Não se percebe que a violência que mata 50 mil de brasileiros por ano (um número, sob qualquer perspectiva, imenso, assustador), há 20 anos (ou seja, 1 milhão de brasileiros foram assassinados desde início da década de 90!...), é a face visível da violência encontrada em todo lugar.

NO AMBIENTE DE TRABALHO

A violência provém do fato de o empregador inquirir uma candidata nova a emprego, perguntando se ela é noiva, casada, se pretende ter filhos, etc. Isso é uma violação absurda da vida pessoal, que o empregador faz e à qual a candidata, querendo o emprego, se submete indignada, mas silenciosamente.

O bullying feito também com empregados que observam o horário de trabalho, não ficam dando show de hora extra ou "indo além do esperado", é uma violência. Não basta fazer o que foi contratado para fazer, tem que plantar bananeira, dar piruetas e "encantar" chefes, como se todos estivessem em um circo absurdo, onde a hierarquia conta mais que o respeito à pessoa humana, que possui família, outros interesses e afazeres...

Isso tudo sem falar da baixaria no campo, da escravidão à qual vários são submetidos, sob olhos de autoridades, havendo casos onde elas mesmas impõem um regime totalmente descabido. É notório que diversas famílias de oligarquias políticas brasileiras (em especial no NE e no N) exploram empregados à exaustão, para bancar suas vidas régias, além do voto de cabresto e da roubalheira que executam impunemente.

A violência vem também dos sindicatos, aboletados em régias pagas, que comandam a vida dos empregados, dos trabalhadores, confundindo sua função com curral, com autoritarismo, usando a voz que possuem para cuidar do próprio bolso dos pelegos, esquecendo que o país é feito de capital, ciência e trabalho, que integram apenas uma parte da estória.

EM CASA

A disciplina por si só, a violência contra a criança, contra a mulher (assistida pelos filhos), a imposição de uma vontade apenas por que se pagam as contas dos demais, o desrespeito familiar, ao idoso, ao ansião, aos mais velhos, as ameaças explícitas ou veladas, tudo isso é violência diuturna.

Assistimos a gritos em praça pública, com pais xingando filhos, filhos gritando pais, numa demonstração de falta de civilidade e violência gratuita que poucos se apercebem... mas que se transforma em delinquência constante, que deságua em outro tipo de violência.

A falta de saneamento básico é, hoje, no Brasil, uma violência contra 70% da população, que não a tem... que sabe que outros têm e se pergunta: não somos um país rico e justo?

NA ESCOLA

Um professor ameaçado por aluno é algo comum no Brasil. Com a política de criar estatística e passar todo mundo de ano, o aluno se tornou rei, em especial em periferias e áreas mais pobres. O estado da educação primária no país está em petição de miséria, e sofre de violência de toda ordem.

São gangues ameaçando professores e diretores de escola, é a ausência de punição, a certeza de liberdade de menores infratores, numa inversão absurda de valores onde professores, educadores, são enquadrados, coagidos, e os alunos fortões, valentes, fazem valer sua lei, tudo para garantir alguns votos a líderes comunitários que não sabem o quanto contribuem para a violência crescente.

NO TRÂNSITO E NAS ESTRADAS

Fechadas, gritos, xingamentos, abusos de direito, absoluta falta de empatia com o próximo, ameaças, são alguns dos exemplos da violência assistida em qualquer esquina, rua ou avenida. Isso também se passa em garagens, em condomínios, onde todos vivem empilhados, de "saco-cheio" de serem obrigados a conviver com desconhecidos, sem direito à privacidade, ao silêncio, ao livre gozo de seu carro ou moto suadamente conquistado.

Além disso, o estado da infraestrutura brasileira é miserável. Não se investe. Não se prioriza a vida ou a segurança do viajante, apenas a obra, a roubalheira, o trecho a mais para custar 100 vezes o que seria normal... para gozar de riquezas no paraíso.

Muito disso  deságua também em tiro, em atropelamento, em maldade pura, feita por cidadãos praticamente comuns, aos olhos do que essa sociedade doente chama de comportamentos defensivos.

Espíritos armados: pegue um volante ou guidon. A batalha do trânsito brasileira é campeã de produção de atletas para-olímpicos e de tragédias familiares... por nada... por um pedaço de metal.

NA POLÍTICA

O desrespeito ao direito individual, à organização profissional, à lei, com roubalheira, medidas anti-democráticas como o caso dos Mais Médicos, que batuquei à exaustão nesse blog, a rigidez imposta à mobilidade social, a promoção do poder pelo poder, a falta de representatividade efetiva da classe política, que corre atrás do rabo ao invés de ouvir anseios de grupos, bairros, incapaz de traduzir em governo o que o povo clama... tudo isso é uma violência absurda.

A não-mudança do poder político, concentrado em Brasília em detrimento de bairros, cidades ou estados, é uma violência constante à soberania de cada cidadão, de cada grupo social, que vive em micro-regiões, que precisa ter sua demanda atendida em nível local. Ninguém vive no Brasil. As pessoas vivem em bairros, em cidades, e são violentadas diuturnamente quando sabem que o fruto de seu trabalho vai para Brasília, que não tem transporte público por causa de Brasília, que sofre enchente por causa de Brasília, que seu imposto é roubado para sustentar alguém em Brasília, etc. etc. etc.

NAS MÍDIAS

A violência contra a mulher continua no Brasil. Berço das mulheres mais belas do planeta, elas são exploradas à exaustão. As bancas de jornais são posteres de bundas e peitos, sendo isso um ato de violência grotesca, à qual todos são expostos e à qual... nos acostumamos... pois é bonito...

As novelas (felizmente inacessíveis onde estou) são tramas violentas, diálogos destrutivos, situações de tensão que invadem as casas todas as tardes e noites para serem copiadas em situações reais. A vida imita o teatro, e vice-versa, onde as situações mais perversas, mais maldosas, contra inocentes, crianças, velhos, são exageradas em novelas de sinal aberto a todo mundo, que depois transbordam dentro das casas e nas ruas. A violência assistida, sabe-se, transforma-se facilmente na violência vivida. Quem vê programas construtivos, informativos, que elaboram o racional e não incitam a tensão ou a violência causam bem-estar, mas a cultura da violência invadiu todas as mídias, criando uma situação de vício na violência.

A INDÚSTRIA DA VIOLÊNCIA E DO MEDO

O Brasil é a meca dos vendedores (de ilusões) de segurança. É o maior mercado mundial de carros blindados, cercas elétricas, eletrochoques, gás de pimenta, interfones, sistemas de vigilância, catracas, etc.

Há uma legião de parasitas da violência.

Eles não querem pará-la. Eles querem incitá-la. Eles a alimentam. Eles motivam a sensação de insegurança, pois vivem do sofrimento, da angústia, do MEDO.

Vários deles, agentes da segurança, são ligados a pessoas responsáveis pela segurança pública, como delegados, policiais civis, bombeiros, etc. Isso é notório. Há diversas notícias, artigos, sobre isso. Sabemos que o bandido e o mocinho, no Brasil, se fundiram.

Quer violência maior do que essa? Violência de saber que não há para onde ir? Que não se pode contar com ninguém para te proteger?

O país possui um mercado negro enorme de armas de fogo. O desarmamento foi uma balela política. O brasileiro se arma, pois vive em guerra civil. Não há estado. Não há governo. A violência explode em qualquer esquina, qualquer local.

Você não está nunca seguro...

GUERRA CIVIL

Para qualquer forma de classificação do país em matéria de mortes violentas, segundo conceitos globais, o Brasil se encontra em guerra civil.

Uma das provas disso é o número de refugiados que o país possui.

Dezenas de milhares de brasileiros emigram para fugir à violência. 9 em cada 10 emigrados dirá que saiu do Brasil por causa da violência (sofrida por si ou próximos).

Poucos contestam o fato de que o país é lotado de oportunidades profissionais ou econômicas, mas a violência é algo que afasta o brasileiro de seu país. A falta de esperança em qualquer mudança plausível também é causa de sofrimento, já que a maior violência é matar sonhos.

O Brasil possui legiões de jovens desesperançosos sobre um futuro melhor. Esses são vítima constante da massacrante violência exemplicada acima. Eles não conhecem outra realidade. Não têm outro paradigma.

Apenas sofrem. Apenas ficam mais raivosos. Apenas recorrem à auto-destruição, pela via das drogas, ou da destruição pura e simples, ao ceifar vidas de quem está próximo.

MUDANÇA?

Um país em guerra civil precisa parar de negar sua situação e a encarar de frente.

Nada de programa bombástico, midiático, de prometer comprar 5 milhões de viaturas de polícia ou tantas armas.

A reforma não é em hardware. É em software, é em inteligência, é em DESMONTE DA ESTRUTURA DA VIOLÊNCIA NO PAÍS.

Continuar achando que a violência é apenas essa decorrente de tiros é tapar o sol com a peneira. É ser condescendente com a violência. É negar o problema e insistir na violência.

A polícia não funciona. Tem bons policiais, mas a instituição não funciona.

Polícia que manda matar juiz é apenas um sinal da doença.

A estrutura está FALIDA.

A sociedade brasileira precisa saber que está doente. Alguém precisa anunciar o diagnóstico.

EDUCAR PARA A PAZ.

Nada de campanha... mídia pura... anúncio encima de palanque. Precisa de iniciativa nas escolas, nas comunidades, no currículo, explicar TUDO O QUE É VIOLÊNCIA.

Colocar placas Brasil afora informando tudo o que vem a ser VIOLÊNCIA.

Só assim pode diminuir a coisa....

Boa sorte!

Sugiro lerem artigo da VEJA de 11/11/13.

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